Primeiro foram os pássaros. Aqueles pássaros. Uma certa revoada de gralhas, gralhas-pretas, habitantes de uma certa região da França, em uma certa época do ano, na vizinhança de uma pequena, pequenina cidade. Um certo camponês, ocupado com suas contas, contabilizando sua próxima safra de trigo - que logo teria de colher - quando ouviu um certo toc-toc na sua porta.
- Pode entrar, está aberta.
O toc-toc apenas se repetiu.
Resmungando “ora essa, quem será...” o camponês foi até a porta, abriu-a, e, a princípio não viu ninguém. Então notou os pássaros. Um bando deles. Mais de cem. Talvez duzentas gralhas pretas, pássaros comuns naquela região. Fitavam-no. A maioria empoleirada a certa distância, na cerca branca e bem cuidada da propriedade, nos fios e postes de eletricidade, sobre seu carro e seu pequeno trator. Mas três deles estavam logo ali, fitando-o a menos de um metro, no chão diante da porta. O pacato camponês ficou um pouco paralisado, assustado. Olhou e olhou os pássaros que olhavam e olhavam para ele. Então o camponês começou, lentamente, receosamente, a fechar a porta, quando ouviu:
- Por favor, senhor, precisamos falar com você.
O homem parou, perplexo, olhando para a ave mais próxima, que foi quem se dirigiu a ele.
- Por favor senhor, gostaríamos apenas de pedir que o senhor por favor não faça seu trabalho nos seus campos nos próximos dias. – Continuou apressadamente a gralha, temendo que o camponês não a ouvisse até o final. Sua voz era levemente aguda, um pouco rouca, também dura e áspera, e as palavras saiam um pouco mal articuladas, mas eram de um francês gramatical e lexicalmente perfeito. Também era perceptível a emoção em sua voz, uma mistura de cautela, medo, e esperança.
O camponês planejava jogar seus defensivos agrícolas no campo no dia seguinte, para proteger os primeiros grãos de ataques de animais e fungos até a colheita. A gralha-preta continuou, em tom sério, já que o camponês nada disse (de tão perplexo, claro).
- É que nós não teremos outros grãos na região para nos alimentarmos. Se apenas você deixar que peguemos os primeiros grãos dos primeiros dias, ainda terá uma boa produção, e nós já teremos como viajar mais ao sul, aonde haverá mais comida.
Um dos pássaros ao lado do primeiro completou:
- Por favor senhor, os jovens têm fome.
Seguiram-se alguns instantes de silêncio. O camponês mal conseguia pensar. Todas aquelas centenas de pequenos olhos negros fitando-o pacientemente. Então simplesmente balançou a cabeça, positivamente, soltando um fraquíssimo, rouquíssimo, quase inaudível “está bem”. Depois fechou lentamente a porta, buscou um pouco de vinho, e voltou à sua cadeira, seus olhos esbugalhados.
Lá fora, os pássaros já se agitavam.
- Nossa, eu não esperava que fosse ser tão fácil. - Disse a gralha que primeiro falou com o camponês.
Os três pássaros se viraram e voaram até os demais, gralhando não mais em francês, mas na própria língua natural, contando a notícia. Logo todos voavam de volta aos seus ninhos, em uma grande revoada ouvida dentro da casa por um camponês estupefato, que já enchia seu segundo copo de vinho.
A notícia em questão de dias atingiu jornais de todos os cantos do mundo. Logo pessoas de todo tipo batiam à porta do pobre camponês. Cientistas, políticos, céticos, jovens, hippies, caçadores. Queriam ver as gralhas-pretas-falantes. O camponês os atendia sempre de maneira curta, a voz cansada: “Vão olhar nos campos”. Os primeiros tiveram sorte, muitos encontraram as gralhas no campo, e um cientista e um político inclusive gravaram suas conversas com elas.
O político lhes pediu perdão pelo desleixo dos agricultores humanos para com “todas as gentes de vossa espécie, que foram por tanto tempo humilhadas, assassinadas, envenenadas”. Continuou em um longo e enfadonho discurso sobre este momento único onde a humanidade finalmente entrou em comunicação plena com outra espécie do planeta. Pediu para tirar fotos com elas, para elas darem seus discursos e dizerem tudo aquilo que quisessem dizer-nos. Mas parece que elas não tinham lá muito que falar, e apenas fitavam o homem e as câmeras, como se não tivessem entendido o que ele disse, e logo ele desistiu. Já o cientista chegou munido de muita insistência, e uma infinidade de questões.
“Como aprenderam a falar como nós?” “Alguém as ensinou?” “Todos vocês falam assim fluentemente, ou existem aqueles que não aprenderam direito ainda?” “Nossa língua lhes é parecida com aquela que usam entre si?”
Mas as respostas eram por demais vagas para merecer relato. As aves não se lembravam como aprenderam, ou não entendiam as perguntas, ou sequer tinham vontade de respondê-las. Quando respondiam, se contradiziam umas as outras – e pelos olhares que trocavam, talvez fosse de propósito mesmo. Para elas, aquele cientista estava sendo demasiado curioso, e elas sequer se esforçavam por entender o que ele dizia. Então ele finalmente arriscou, num impulso de ousadia e formalidade:
- Será demais pedir que algum de vocês me acompanhe para alguns testes no laboratório?
Logo que as gralhas-pretas ouviram a pergunta, seus olhos estavam arregalados. Se entreolharam por um instante, e subitamente saíram voando, e não se ouviu falar nada mais sobre elas, ou delas.
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Depois foram aqueles ratos. Um certo grupo de ratos, mas um grande grupo, digamos que todos os ratos da pequena cidade de Artemisa, em Cuba. O impressionante é que não foram os ratos de uma mesma espécie, mas todos os ratos daquela região, todos eles, os marrons, os pretos, os ratos-do-atlântico, e mesmo os camundongos e os ratos-do-campo.
A população local já falava bastante neles quando se deu o ocorrido. Em todo canto ouviam-se histórias de alguém que foi interrogado pelos ratos da casa por causa do veneno espalhado, ou alguém que ao atacar um rato ouviu este gritar por socorro, ou ainda ratos que, expulsos por equipes de desratinização, chingavam e amaldiçoavam os humanos e “suas proles nojentas e seus lares nojentos!”.
Mas foi apenas algumas semanas após o início dos boatos sobre ratos falantes que os ratos acharam que sua situação havia se tornado intolerável. Resolveram se juntar e enfrentar os humanos. Milhões deles, muitos milhões de pequenos roedores, chegaram certa manhã às portas da prefeitura da cidade. Ocupavam a praça e todas as ruas diante do prédio público, forrando o asfalto e o concreto no que mais parecia um grande tapete formado pelos desenhos vivos de pelos e patas e orelhas grandes. Entoavam canções com suas exigências, e de fato exigiam muitas coisas. Rosnavam para qualquer um que se aproximasse, e quando um carro tentou passar por cima deles, eles atacaram com tanta ferocidade que em instantes o carro estava parado, os pneus vazados, os cabos do motor cortados e os bancos roídos e o motorista humano correndo desesperado para longe do perigo enquanto lhe mordiam as roupas, a pele, os ouvidos, os cabelos. Claro que também alguns ratos morreram no enfrentamento com o carro, o que deixou os demais ainda mais eriçados e hostis.
Então um representante da prefeitura veio ter com eles na porta. Por um documento ficou sabendo e levou até o prefeito as exigências dos ratos, que eram as seguintes, escritas com uma impressionante caligrafia e um impressionante castelhano:
“1º: Todo rato passará a ter o mesmo direito à vida que os humanos, portanto qualquer atentado à integridade de um rato deve ser um crime do mesmo teor que o ataque à integridade de um humano, segundo as leis humanas.”
O prefeito ouvia as exigências com um ar irônico e descrente. Em parte não acreditava que aquilo estava acontecendo, parecia apenas uma grande piada de algum ecologista. Em parte estava alarmado com o fato inédito, pensando em como matar estes ratos sem incomodar os protetores dos animais. Os quais, certamente, já estavam a caminho da prefeitura. O seu subordinado continuou.
“2º Todo rato deve ser respeitado em seu direito de morar e de ir e vir nos locais chamados pelos humanos de 'públicos', sejam eles esgotos, ruas, praças, ou prédios públicos.”
- Que diabos, mas porque também os prédios públicos? - interrompeu o prefeito.
- Os ratos dizem que muitos deles gostam de ir ler nas bibliotecas, e... parece que eles acham que é sua responsabilidade garantir agora que tenham um lugar para morar. Alguns já até estão no museu... - respondeu, sério, o subordinado, que também não sabia o que pensar diante da situação.
- Ok, continue...
“3°: Deve ser garantido a todo rato um lugar para viver com sua toca e acesso livre aos alimentos de que necessita, não importando se este alimento foi cultivado, embalado, comprado ou descartado por um humano antes.”
- Ah, esses velhos ladrõezinhos! Como sempre, querendo a nossa comida. Eles tinham alguma justificativa para isso agora?
- Eles apenas disseram que quem inventou a agricultura fomos nós, então é azar nosso se achamos que essa comida toda é só nossa. Falaram também que sempre sobra bastante e que disso eles sabem, e que por isso eles deveriam poder comer com tranquilidade.
Durante as duas primeiras exigências até que o prefeito estava se permitindo pensar a respeito, porém à última demanda era para ele um insulto. Fez então algumas ligações, para centros de controle de zoonoses da cidade e das cidades vizinhas, bombeiros e policiais, veterinários e zootecnistas. Logo chegaram tropas armadas com raticidas, camburões cheios de gaiolas e cientistas que, apesar de sedentos por capturar um espécime falante, não tinham coragem para chegar muito perto.
Nesta altura alguns representantes de sociedades protetoras dos animais já estavam lá, os mais ousados até conversaram com os animais e entraram junto no tapete de roedores, andando com cuidado para não ferir ninguém, gritando junto, apoiando suas causas, mostrando cartazes com dizeres como “Rato também é gente!”, “Democracia para todas as espécies, já!” e “Também os ratos na política!”, e alguns ratos subiam nos seus ombros e nos seus cartazes.
Então, é claro, a tropa recebeu autorização e agiu. A ordem era matar ou capturar todo roedor que falasse, e prender todo humano que os apoiasse. Foi uma briga feia, sangrenta. Os ratos pulavam nos policiais mesmo tendo de respirar veneno, e rasgavam suas roupas e os mordiam violentamente. Quando podiam, atacavam os olhos, os genitais, os tanques cheios de raticida. Muitos humanos pró-ratos receberam pancadas e jatos de veneno. Muitos policiais também se envenenaram ou ficaram cegos ou mutilados. Algumas turbas de ratos entraram na prefeitura, atacando funcionários e máquinas e documentos, e até o prefeito teve de ser hospitalizado.
A briga durou horas, e logo chegaram mais policiais. Os ratos, vendo os reforços humanos chegarem, resolveram desistir, e fugiram por todas as direções, por todo bueiro, fresta, cano, muro ou telhado que existisse. Em instantes os ratos sumiram. Haviam ainda muitos ratos caídos no chão, mortos, feridos ou entorpecidos pelos venenos. E muitos humanos caídos também, sendo levados pelas ambulâncias. Os ratos caídos, claro, não tem nem de se dizer, foram deixados por lá mesmo.
Alguns cientistas conseguiram capturar alguns ratos falantes, a maioria destes muito ferida. Nas gaiolas ou nos equipamentos de laboratório, não houve exame capaz de trazer qualquer informação útil para a ciência. Eles simplesmente se recusaram a falar novamente. A propósito, ninguém nunca mais soube de ratos falantes, e o episódio ficou conhecido como a “Revolta dos roedores”. Logo, infelizmente, a revolta deixará a história, relegando-se à mitologia.
Mas vamos ao último caso...
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Este é, certamente, o caso mais documentado e estudado. Um único animal, único de sua espécie, até onde se sabe. Um macaco. Um chimpanzé. Vivia no Zoológico de Pequim, onde nasceu. Até o dia em que começou a falar com os visitantes do parque, em um chinês digno de um erudito.
Na ocasião vivia sozinho em sua gaiola, tendo sua companheira falecido por doença nos dias anteriores. Talvez isso tenha alguma relação com sua eloquência, mas não se sabe ao certo. Só se sabe que quando uma garotinha passava com seus pais em frente a sua gaiola, e ela lhe cumprimentou com um simpático “oi”, o chimpanzé, calma e fluentemente, lhe respondeu.
- Oi. - Sua voz era calma e de um tom grave e jovial.
- Papai, papai, o macaco falou!
- Não diga bobagens filha, ele só estava mascando alguma coisa na boca.
- Não senhor, eu de fato respondi à saudação de sua filha. - Interviu o macaco, que observava calmamente, e temeu que a garota ficasse confusa por sua culpa.
O moço e sua esposa ficaram assustados, levaram a filha para longe do macaco e avisaram a direção do zoológico. Logo enviaram um funcionário para confirmar a loucura, e este mal pode acreditar no que acontecia, mas achou o fato muito interessante, sentou-se diante da jaula, e começou a conversar longamente com o macaco. Pessoas logo aglomeraram em volta. Foram horas de conversa, e a multidão ao redor só crescia. Todos querendo saber o que o macaco tinha a dizer, como era sua vida, como era viver na gaiola, se a ração era boa, se era bem tratado ou não. E, lógico, como ele aprendeu a falar.
Mas isso ele não sabia responder. Apenas disse que, até onde lembra, sempre soube falar, porém nunca teve vontade, pois não precisava falar com sua companheira de cela, e não precisava falar com seus tratadores. Simplesmente entendia a linguagem dos humanos, e falava, e pronto. Perguntaram então porque agora ele resolveu falar.
- Porque eu quero pedir a vocês que me deixem sair daqui e me deixem andar um pouco por ai, pra variar um pouco.
A direção do zoológico ficou um pouco consternada com a situação, mas sequer pensou em recusar o pedido do chimpanzé falante. A comoção em torno do animal era enorme. Assim, deixaram a cargo do cuidador do animal – o mesmo funcionário que proseou com ele – o passeio do chimpanzé pelas ruas de Pequim. Pediram apenas que o cuidador, durante o passeio, convencesse o símio a se permitir ser estudado por cientistas. O que, como o tratador descobriu depois, não foi difícil.
- Se vocês me deixarão mais tempo fora da jaula e conhecendo mais coisas por ai, tudo bem. A propósito, bem que vocês podiam me arranjar um outro lugar pra viver. Sem grades, sabe? Que eu possa me mexer mais e sair e voltar quando quiser, e vocês podem ir lá me olhar e deixar a comida lá para mim.
Estavam agora num ônibus, o macaco observando a cidade, enquanto falavam. Tinham passe livre para ir para qualquer lugar, a cidade toda estava avisada sobre o macaco falante. Em todo lugar as pessoas fixavam o olhar nele, observavam seus lábios mexendo, ouviam sua voz, entendendo o que ele dizia e não entendendo nada daquela situação. Algumas admiradas, outras assustadas.
No fim do dia o tratador levou-o aos cientistas da universidade, que observavam atentamente. Eles tinham ouvido falar dos casos dos pássaros e dos ratos, e agora tinham outro animal falante em suas mãos, e disposto a ser estudado e analisado. E, claro, era um animal falante, um macaco falante, e era tão parecido com os humanos que eles nem pensavam em fazer experiências torturantes e dolorosas com ele. Não, apenas eletroencefalogramas, raios-x, testes linguísticos e psicológicos, e pronto. Nada invasivo.
Dias depois, os exames acabados, e os cientistas não tinham nada para afirmar. Física e neurologicamente, era um chimpanzé absolutamente normal. Psicologicamente, era um humano absolutamente normal, adulto e erudito, com exceção das suas únicas memórias serem as memórias de um cárcere.
Mesmo com relação a vida no cárcere, um animal falante não dava mais informações sobre a vida num zoológico do que qualquer outro animal. A vida era tediosa, monótona, repetitiva, desestimulante, mas era essa a vida que ele tinha, e tinha comida, e tinha abrigo, e tinha companhia, e não tinha mais problemas, então ele dormia o dia inteiro e subia em galhos e tirava carrapatos de sua parceira e se alimentava. Não fazia muito sexo com a companheira, pois não sentiam muita vontade. Era como se a vida fosse uma grande depressão, e eles estavam acostumados à ela, e isso não era novidade alguma para os cientistas, nem para o tratador, nem para os diretores do zoológico. Nem para qualquer outra pessoa.
O macaco passou então a viver na casa do tratador. Este passou a ter mais tempo para ficar em casa, sendo remunerado por isso, apenas para ficar com o macaco e conversar com ele e tentar descobrir qualquer novidade sobre sua história. O chimpanzé era bem comportado, não quebrava coisas, não aprontava quando o tratador não estava em casa. Saia de vez em quando, sempre que quisesse, voltando também quando quisesse, deixando apenas um bilhete dizendo algo do tipo “fui caminhar”. Sim, sabia escrever também, e sabia escrever muito bem, à propósito.
Algumas pessoas vinham à casa procurar o macaco falante. Outras conversavam com ele nas ruas. Logo o macaco se cansou de responder sempre às mesmas perguntas.
- Vocês humanos não sabem falar de outra coisa? Sempre esse papo do meu cativeiro...
Os dias se passaram, até que ele teve então a brilhante idéia de escrever um livro sobre sua vida. Todos poderiam saber sua história e tirar suas dúvidas sem que ele fosse tão importunado.
O tratador, como sempre, informou aos diretores do zoológico e aos cientistas do que estava acontecendo, e do novo empreendimento do macaco.
E foi nisso que os diretores ficaram preocupados. Afinal, já havia gente demais que não gostava de zoológicos e de animais presos sem um livro desses circulando por ai. E um livro desses poderia facilmente tirar todos os zoológicos do mundo de funcionamento, quem sabe “até atacar duramente as próprias bases da civilização!” - exclamaram consternados os diretores do zoológico.
Os diretores tiveram então uma dura escolha por fazer. Por um lado, poderiam ficar muito ricos com as vendas. Por outro, poderiam também ter de perder o emprego. Além disso, defensores de animais poderiam começar a brigar para que o dinheiro das vendas não fosse parar nas mãos deles, mas que ficasse com o macaco, ou com ONGs de proteção da fauna ou de direitos dos animais ou coisa do tipo. E ainda havia todo o barulho que o livro causaria, sendo usado pelos eco-xiitas para criticar todas as ações dos humanos para com os animais. Mas também não podiam simplesmente devolve-lo à gaiola, ou matá-lo, ou sumir com ele. O que fazer?
A primeira idéia: Passaram a deixar o tratador 100% do tempo junto ao macaco. Este deveria viajar com ele, brincar com ele, colocá-lo na frente da televisão, enfim, fazer com que o macaco não tivesse tempo para escrever nada, e que logo esquecesse essa idéia de livro. Arranjaram até um vídeo-game.
- Não deu certo. O chimpanzé consegue escrever quando eu estou cansado ou vou dormir, e não se interessa pela televisão ou pelo vídeo-game. Quando viaja, leva seu livro e suas coisas e continua escrevendo. - Relatou o tratador alguns dias depois.
A próxima idéia, logicamente, seria tentar sabotar o livro, sem que o macaco percebesse. O tratador primeiro passou a esconder as canetas. O símio sempre as encontrava, com facilidade. Um jogava as canetas fora, nas ruas, o outro trazia outras das ruas. Depois o tratador começou a lhe servir comidas “temperadas” com algo para dormir. O símio, que já começava a entender o que estava acontecendo, passou a recusar a comida. Sabia já onde encontrar as latas de rações. O tratador então misturou os entorpecentes em todas as latas de rações. O símio passou a buscar as rações fora, nas lojas de rações da cidade. O tratador estava cada vez mais cansado desse jogo, e o símio também cada vez mais irritado.
Um dia, finalmente, quando o macaco saiu para buscar mais ração, o humano entrou em seu aposento e procurou seus papéis. Encontrou-os com facilidade. Trouxera uma panela, álcool, e uma caixa de fósforos. Foi aos fundos da casa, e, com tristeza, botou fogo nos belos manuscritos.
Neste exato instante o macaco abriu a porta que dava para os fundos, encontrando o homem diante da panela com seus escritos em chamas. O homem olhou para ele com grande tristeza, não sabia o que dizer. O macaco olhou de volta, seriamente, por um longo minuto.
Então o macaco mostrou sua mão. Sorriu, levantando as sobrancelhas com ironia. Trazia uma cópia inteira de tudo que escrevera.
No dia seguinte o rapaz pediu demissão. Mas os diretores do zoológico tinham uma última estratégia para apelar. O macaco foi levado para um novo tratador. Este recebeu-o com um sorriso inexpressivo. E explicou:
- Então, cara, é o seguinte. Eu não tenho tanto tempo e tanto dinheiro para ficar com você como o outro cara. Aqui as coisas vão ter que ser um pouco diferentes. Você vai ter que trabalhar e pagar sua vida, como todos nós que não vivemos atrás de grades. E como eu imaginei que você não saberia onde trabalhar, já arranjei para você um emprego onde começar. Você pode procurar algo diferente depois se quiser. Mas acho que vai gostar. É aqui perto, como ajudante de obras de uma construção. Espero que se de bem lá.
Desse dia em diante, o macaco não conseguiu mais escrever. E não mais se ouviu falar sobre ele, ou dele.
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ResponderExcluirFoi assim também com as sereias e as fadas, um dia escafederam-se...
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