sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Evolução humana: introdução, questões gerais, e linha do tempo.

Para introduzir a temática da evolução humana, terei de fazer uma primeira postagem com alguns nomes, datas, e conceitos introdutórios. Espero ser capaz de aguçar a curiosidade de vocês, mais do que afastá-los com uma aula cansativa.

Primeiramente, é necessário se trazer a escala da nossa evolução. Tenho visto que, na prática, a maioria das pessoas entende estes processos evolutivos como coisas acontecendo em um ritmo muito mais rápido do que eles de fato aconteceram, ou poderiam acontecer. Isso é normal, claro, porque temos dificuldade de pensar em uma escala de tempo totalmente diferente daquela em que se desenrola nossa cotidiano.

Outra ressalva: as datações de que falarei não são datas absolutas e irrefutáveis, nem certezas incontestáveis. São as conclusões atuais de alguns dos trabalhos que li, e eu mesmo posso já estar desatualizado, dada a quantidade de publicações nesse assunto todos os anos, e não saber disso. Estou me baseando em alguns livros e artigos, alguns mais antigos que outros, então entendam que as datas devem ser mais usadas para se entender uma narrativa de história humana, um jeito de contar sobre nosso passado. Este jeito de contar talvez seja muito mais pessoal, meu, do que coletivo, ou científico, mas quanto à isso não posso fazer nada. Afinal, se precisa de muito mais coisas do que a atualização de dados científicos para que se mude uma narrativa de mundo. Espero, entretanto, que contar o meu jeito de ver nossa história possa ensinar algo, e claro, estou disposto a discutir e colocar essa narrativa à prova dos fatos. Além de tudo isso, a história também estará bastante resumida aqui.

O ponto inicial dessa linha do tempo tão longa está à 7 milhões de anos atrás. Até então, os ancestrais de chimpanzés e de humanos eram a mesma população, relacionados hoje com os fósseis chamados de Sahelantropus tchadensis. Mais ou menos por volta desta época estes ancestrais se separaram em duas populações diferentes. Importante notar que eles não eram nem chimpanzés, nem humanos, nem proto-chimpanzés, nem proto-humanos. Eram uma espécie "completa" (se é que alguma espécie é de fato completa), que sobrevivia segundo suas necessidades e potencialidades. Assim como todas as demais espécies, sejam elas vivas ou fósseis.

A propósito, nenhuma espécie sobrevive muito tempo, ou pelo menos tempo suficiente para ser notada em fósseis, se estiver com alguma grande deficiência no seu corpo ou no seu modo de viver. Dizer isso já basta para suspeitar da idéia hobbesiana de que a vida humana primitiva era "bruta, dura, cruel, e curta".

Nossos primeiros ancestrais famosos nessa linha do tempo, os "elos perdidos", são os fósseis classificados como espécies do gênero Australopithecus, entre os quais faz parte a famosa Lucy, uma Australopithecus afarensis (batizada de Lucy em referência à música "Lucy in the sky with diamonds", dos Beatles). Ela ficou famosa porque por muito tempo foi o mais antigo ancestral humano encontrado, e era um esqueleto bastante completo, considerando-se sua idade (3,2 milhões de anos). Mas estes fósseis não são mais os mais antigos fosséis conhecidos da linhagem humana. Antes dos Australopithecus tivemos também o Orronin tugenensis e o Ardipithecus ramidus, que provavelmente foram espécies de ligação entre Sahelantropus e Australopithecus, e foram descobertos posteriormente e não ficaram (ainda) tão famosos.

 Os ossos de Lucy. (Fonte Wikipedia)

Reconstituição do rosto de Lucy. (Fonte Wikipedia)
Lucy: Australopithecus afarensis, 3,2 milhões de anos, África.

Atenção, não confundir a Lucy, uma Australophitecus afarensis de 3,2 milhões de anos de "idade", com a Luzia, um fóssil de Homo sapiens encontrado aqui na América do Sul, em Minas Gerais, estudado pelo Prof. Walter Salles, autor do livro "O Povo de Luzia". Penso que o nome Luzia foi dado inclusive em referência à Lucy, mas as duas não são da mesma espécie nem viveram no mesmo período. Luzia viveu entre 10 e 15 mil anos atrás (mil anos, não milhões de anos), e seu fóssil têm sido usado como referência na especulação de quando e como os humanos chegaram pela primeira vez aqui neste continente.

Capa do livro de Walter Salles, com reconstituição do rosto de Luzia.
Luzia: Homo sapiens, 10 - 15 mil anos, América do Sul.

Os fósseis de Australopithecus afarensis, entretanto, dão o tom do estudo da evolução humana entre esta primeira marca, de 7 milhões de anos, e o surgimento de fósseis mais diferenciados, classificados como o gênero Homo, a 2 milhões de anos atrás. Dentro deste gênero, foram encontrados muitos fósseis que foram classificados como espécies diferentes, que cito em ordem de aparecimento na linha do tempo, mas que não reflete uma linha de descendência (alguns sabemos com certeza que são primos dos que vêm depois deles, e não pais, e a maioria conviveu uns com os outros): Homo habilis, Homo ergaster, Homo erectus, H. rudolfensis, H. heidelbergensis, H. neanderthalensis, H. sapiens, H. floresiensis, entre outros que estão sempre sendo encontrados. Os Homo erectus foram a espécie mais re-encontrada, mais estável, e que esteve viva por mais tempo durante este período. Dão o tom do estudo da evolução humana nesta segunda fase, juntamente dos Neanderthais, que provavelmente são nossos primos. Alguns inclusive já especularam se H. sapiens e H. neanderthalensis, entre outros, não são apenas sub-espécies de H. erectus, opinião com a qual eu concordo.


 Fonte: Bahn, P.G. Arqueología – guía del pasado humano; 2002.
A figura de um Homo erectus, desenhada por alguém que não conhecia o nosso ex-ministro da cultura e admirado músico... Somos tão diferentes de nossos ancestrais quanto pensamos ser? Acredito que não. 

De fato, considerando a lista e a figura acima, há de se perguntar se eles eram realmente espécies diferentes ou eram todos a mesma espécie com nomes diferentes para formas um pouco diferentes (afinal, não somos muito diferentes hoje?). Esta pergunta é valida, porque o conceito de espécie merece ser discutido mais profundamente. Além disso, um cientista ganha muito mais renome ao encontrar "uma nova espécie de ancestral humano" do que ao encontrar "mais um daquela espécie que já conhecemos de ancestral humano", o que gera um enviesamento bastante forte nas análises. De todo modo, sabemos que haviam de fato espécies realmente distintas na evolução humana, sabemos que estas espécies conviveram juntas por diversos períodos, e que todas estas espécies se extinguiram posteriormente por algum motivo, restando apenas o homo sapiens (somos fratricidas ou sobreviventes?).

Por fim, algumas características gerais da nossa linhagem: os australopitecíneos (genero Australopithecus e próximos) mostram não viver mais tanto nas árvores, e poderem ficar de pé cada vez por mais tempo, negando a locomoção sobre os quatro membros (como ainda fazem chimpanzés e gorilas e como fazia o Sahelantropus tchadensis) ainda que sem muita habilidade; já os hominídeos (genero Homo e próximos) possuem a articulação do joelho com rótula, podendo correr e andar com quase a mesma biodinâmica que nós, e estão cada vez mais com o rosto mais familiar, desenvolvendo aos poucos o nariz e o queixo, esta última uma característica distintiva dos Homo sapiens. Os pêlos, como uma cobertura corporal espessa, teriam sumido provavelmente na transição entre os australopitecíneos e hominídeos, assim como também foi nessa transição que nós ficamos maiores (Lucy era pouco maior que a metade de nossa estatura). O crescimento cerebral foi gradual, em pequenos solavancos, durante todo o processo.

No fim desta linha evolutiva, ainda temos mais alguns eventos. A ciência hoje diferencia os humanos anatomicamente modernos (os primeiros Homo sapiens) dos humanos culturalmente modernos. Os primeiros surgiram a talvez 200 mil anos atrás, dependendo do autor revisado, enquanto os últimos teriam "surgido" à cerca de 80 mil anos atrás, e se caracterizam por apresentarem sistemas simbólicos complexos, que ficaram marcados em pinturas nas cavernas e em cerâmicas, e o sepultamento dos mortos. Eu acho esta distinção bastante falaciosa, já que pode indicar mais facilmente a data de obtenção de tinturas duráveis ou técnicas avançadas de modelamento de barro do que o surgimento abrupto e inexplicável de um sistema simbólico avançado. Além disso, mostra não a manifestação da "consciência", mas a manifestação da necessidade de estas representações se tornarem duráveis. Não tenho dúvida de que tinhamos já plena capacidade cognitiva bem antes dessa data, e que algum evento poderia ter só alterado nossas características de transmissão cultural. E quanto à idéia de que o sepultamento de mortos indica o início da religiosidade, isso para mim também é tão enganador quanto dizer que o surgimento da escrita indica o inicio da fala. Além do fato de que o sepultamento de mortos pode se dar por muitos motivos ecológicos, não religiosos.

E nos últimos momentos da linha do tempo da evolução humana, temos a "revolução neolítica", ou a invenção de agricultura de larga escala e de cidades, que começou a ser realizada por alguns poucos povos a partir de 15 mil anos atrás, tendo se iniciado na região do Crescente Fértil (Oriente Médio) nessa época. O que remete à questão do "orgulho neolítico", ou seja, a idéia de que nós estávamos "destinados" a criar a "agricultura" e a nos "libertar do ambiente" (este um conceito irrisório por si só). Como podem ver, vivemos muito antes disso, e ainda vivemos hoje, em muitas outras culturas fora desta lógica, de modo que estas idéias de "destino" ou de "manifestação pura do potencial humano" são, no máximo, muito infantis. Mas voltaremos à esta questão, com certeza, já que isso toca em um dos pontos principais do pensamento primitivista.

Referências:
 - Lewin, Roger. Evolução humana. São Paulo: Atheneu Editora, 1999.
- Foley, Robert. Apenas mais uma espécie única – padrões da ecologia evolutiva humana. EdUSP, 1993.
- Morgan, Elaine. The Naked Darwinist. Eildon Press, 2008.

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